Segunda, 25 Março 2013 10:38

Entrevista com Professor Márcio Mattos sobre Pimesp

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Marcio Mattos é um dos membros da Congregação, o colegiado máximo da Faculdade, que irá apresentar em última instância, comentários e sugestões da unidade ao Programa. Essas contribuições servirão de subsídios para a posterior tramitação da proposta nos Órgãos Colegiados da Universidade (Clique nos nomes e veja entrevistas com  Amaury Gremaud e Sig Bialoskoski).


Marcio Mattos se declarou contra os programas de cotas nas universidades e defendeu melhorias nas etapas anteriores do ensino público. Ele fala sobre o risco que um programa de cotas oferece à qualidade do ensino e pesquisa na universidade, bem como à imagem negativa que as cotas podem imprimir às etnias contempladas no programa. Como solução, além da melhoria no ensino fundamental e médio, ele defende a ampliação dos cursinhos, como o mantido pelo Centro Acadêmico Flaviana Condeixa Favaretto. Veja a entrevista na íntegra:

 

Qual sua posição sobre os sistemas de cotas?
Eu sou contrário ao sistema de cotas. E há fatos e informações nos quais me baseio para isso. Na apresentação institucional da Universidade de São Paulo, logo em sua primeira página, nosso Reitor, Prof. Dr. João Grandino Rodas, lembra que a USP desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão em alto nível. Afirma que os cerca de 10 mil estudantes que ingressam anualmente aqui buscam ensino de qualidade, que é referência internacional. Nós precisamos formar pessoas com alta capacitação profissional e alta capacidade de pesquisa para a sociedade. É assim que eu entendo a missão da USP. E esse círculo virtuoso fez da USP a melhor universidade da América Latina e a universidade que mais forma doutores no mundo. Eu sou funcionário da Universidade e tenho que cumprir essa missão que me foi dada. E é neste sentido que eu acho que as cotas podem ser um problema.


Sendo assim, onde está o problema?
Absolutamente tudo o que a humanidade faz é por meio de processos. Existe processo para produção de açúcar e etanol, para produção de carros e há também processos para formação de pessoas. Esses processos são formados por etapas. Claro que existem muitas dúvidas sobre qual é o melhor arranjo de processos e como devem ser conduzidas as etapas de cada processo. Não podemos esquecer também que fazer o processo de determinada maneira sempre envolve perdas e ganhos. A Educação também é um processo que só alcança os melhores resultados se todas as etapas forem cumpridas com a melhor qualidade.
Os processos da Educação Brasileira estão bem definidos em duas grandes etapas: A Educação Básica (Ensino Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e o Ensino Superior. E a USP está associada ao Ensino Superior. No Ensino Fundamental se deve ensinar a ler, escrever e fazer matemática simples. No Ensino Médio vem mais Português e Matemática, Inglês, Física, Química, Biologia, etc.

Mais informações podem ser obtidas nos links:
(http://www.brasil.gov.br/sobre/educacao/sistema-educacional)
(i) Sobre Educação infantil:
http://www.brasil.gov.br/sobre/educacao/sistema-educacional/educacao-infantil
(ii) Sobre Ensino Fundamental:
http://www.brasil.gov.br/sobre/educacao/sistema-educacional/ensino-fundamental
(iii) Sobre Ensino Médio:
http://www.brasil.gov.br/sobre/educacao/sistema-educacional/ensino-medio

 

E na segunda etapa, nosso caso aqui da USP, recebemos gente selecionada por meio de um vestibular que, como todo processo, tem seus prós e contras. Pode-se falar muito mal do vestibular, mas também se pode falar muito bem. O fato é que a sociedade brasileira escolheu o vestibular como forma de acesso à universidade. Claro que sempre deve haver evolução, mas este é o método que tem selecionado, dentre aquele número de pessoas que querem fazer parte da Universidade, os que estão mais capacitados. Tanto que cada curso da USP define em quais disciplinas o candidato precisa estar apto.

 

A questão está então nas etapas anteriores?
Sobre o Ensino Público há algumas considerações importantes a serem feitas. A imprensa mostra que a escola pública já não oferece mais o ensino de qualidade como anteriormente. O consenso é que quem tem qualidade hoje é o ensino privado. Mas não é bem assim. Não podemos esquecer, porém, que a escola privada investe muito na mídia e no marketing. A propaganda diz o tempo todo que elas são lindas e maravilhosas. Mas não há propaganda da escola de primeiro grau Guimarães Junior, onde eu estudei. Não há publicidade da EE Otoniel Mota, de Ribeirão Preto, dizendo que ele têm mais de cem anos de tradição em qualidade de ensino (fundado em 1907), ou de instituições como Sesi, Senac e Senai.

 

Eu tenho conhecimento de inúmeros casos de filhos de colegas meus, que estudaram em escolas públicas recentemente, e estão fazendo mestrado e doutorado pela USP. Ou seja, não é verdade que o ensino público é pior que o ensino privado. O jornal O Estado de São Paulo publicou reportagem dizendo que, em média, professores de escola pública recebem 11% mais que na escola privada. Ou seja, a questão do salário não é importante nisso. Se for relevante, então é favorável à escola pública. Os salários dos professores estão muito abaixo do seu valor histórico, mas o salário ainda é favorável à escola pública.

 

Mas há certamente escolas melhores que outras?
Eu tenho um histórico pessoal no ensino. Meu pai, minha mãe, meus tios, meu sogro e minha sogra são todos professores. É tradição familiar conversar sobre escola. Hoje sou professor muito pela influência do meu pai e da minha mãe. Mas alguma coisa mudou nesses tempos. Conceitos mudaram. Minha mãe com 36 anos de magistério no ensino fundamental defendia ferrenhamente a divisão das salas por capacidade de acompanhamento. Hoje não se pode separar.


Esta é uma maneira alternativa de se ver, mas, por outro lado, o indivíduo tem uma capacidade de aprendizado naquele momento. Se você me coloca numa classe onde eu sou muito menos apto, e está todo mundo indo mais rápido e eu não consigo acompanhar, eu me sinto o patinho feio da história. Então o que pode acontecer é eu pensar que sou mais fraco e menos capaz, mas eu não sou.


Se você me coloca numa classe de iguais eu posso ser estimulado pela inserção social. Fazer parte de um grupo é fundamental para o ser humano. As perguntas primárias em filosofia são quem eu sou, a que grupo pertenço e o que estou fazendo aqui? Então, isso pode ter tido falhas no passado, mas uma educação onde todas as salas são compostas por indivíduos com níveis de conhecimento distintos não é adequada. Some-se a isto uma progressão continuada, que tem mostrado também suas falhas. É comum o aluno estar no final do Ensino Fundamental ou no meio do Ensino Médio e não saber nem ler nem escrever. Temos o analfabetismo funcional, em que o indivíduo não consegue ler uma revista ou o relatório de uma empresa e fazer uma interpretação.

 

Eu sou ex-aluno de escola pública. Fiz apenas um terceiro colegial reforçado e entrei direto numa escola de engenharia, o ITA, que tinha, e tem um dos vestibulares mais difíceis do Brasil. Eu convivi com gênios. Na minha turma tinha gente que era absolutamente gênio. Muito acima da minha capacidade naquele momento. E o cara mais genial da minha turma veio de uma cidadezinha do interior do Ceará e morava numa casa onde o chão era de terra batida e estudou nos livros da biblioteca pública da escola do interior do Ceará. No dia a dia você aprendia a admirá-lo, tamanha a clareza de ideias que este colega tinha. Por que esse menino do interior do Ceará chegou até uma Universidade de ponta e outros não conseguem? O que aconteceu? Muito esforço! Eu sou a favor da meritocracia. Sou a favor de criar condições para isto.


Agora temos a aprovação continuada. É mais ou menos o que o pessoal está querendo com essa questão de cotas. Você vai pegar alguém que por determinado tipo de critério, eventualmente, não conseguiu índice para entrar na universidade, mas você quer que ele entre. A Lei fala em pessoas que têm baixa renda, em etnias e outros critérios. Eu convivi desde criança até o final da engenharia com pessoas de todas as etnias e classes sociais. Eu tive colegas negros que eram verdadeiros gênios. Não preciso falar muito, veja, por exemplo, o Obama ou o Joaquim Barbosa. São orgulhos mundiais, e o Joaquim Barbosa talvez seja uma das pessoas mais respeitadas do Brasil hoje em dia. Como dizer que eles chegaram lá por que foram privilegiados? Eles têm orgulho e respeito da comunidade de ser o que são, independentemente de serem brancos, negros, gordos, magros, ricos ou pobres.


Estou lendo duas reportagens agora no meu micro. O Globo fala: "Ministério da Educação não recomenda aprovação automática"; e outra no Portal Terra: "Especialistas defendem aprovação automática no Ensino Fundamental." E a questão de cotas, acho que segue nesta linha. Não tem consenso.

 

A ideia do Pimesp e da criação dos Colleges vai um pouco neste sentido?
A redação da Lei das Cotas ( nº 12.711/2012) é a seguinte:

Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.
Art. 2o (VETADO).
Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Art. 4o As instituições federais de ensino técnico de nível médio reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso em cada curso, por turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino fundamental em escolas públicas.
Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.
Art. 5o Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Tenho grandes amigos de várias etnias, visitei aldeias indígenas, trabalhei com muita gente. Os franceses falam que qualquer população gera 2 a 3% de gênios. Então nas populações de nordestinos, nortistas, paulistas, africanos, italianos, americanos, ingleses, esquimós, japoneses, chineses ou mongóis você vai ter 2 ou 3% de pessoas aptas a se tornarem gênios. O que acontece é que se essa pessoa nascer na Alemanha, Itália ou nos Estados Unidos ele poderá ser candidato a ganhar Prêmio Nobel; se ele nascer numa população muito carente, ele é candidato a morrer de desnutrição.


Qual é a solução? A FEA-RP tem mostrado a solução. Tem um cursinho aqui e seria interessante uma entrevista com eles abordando esta discussão. As informações que recebi dão conta que o nosso cursinho, feito ali na sala 16, aprova o mesmo percentual que as grandes escolas divulgadas pela mídia em universidades de ponta do Brasil!! Então existe uma solução!


Nós reclamamos que o Ensino Fundamental é fraco e para evitar uma evasão escolar precoce todo mundo deve passar. Depois, no Ensino Médio a escola não tem qualidade e as exigências são relaxadas. Mas não se pode generalizar estas afirmações. Existem escolas com muitas dificuldades, mas existem escolas com alto grau de excelência. Como eu falei dos processos e das etapas, nós temos erros em etapas anteriores. O que está se querendo fazer é uma solução, no meu ponto de vista, muito aquém do necessário. Existem erros numa etapa, temos informação que ela não vai bem e queremos consertar na próxima. O correto seria voltar lá atrás e consertar aquela etapa que estava provocando as falhas.


Essa é minha visão. Se o ensino Básico não está bom, que ele se torne bom. Se o ensino Médio não está bom, que ele se torne bom. Começar hoje. É claro que não vai ser rápido. Mas daqui 20 ou 30 anos voltamos a ter ensino de qualidade. O Brasil precisa disso. Em 2011, foi criado no estado de São Paulo o Programa Educação – Compromisso de São Paulo, que é uma ação do Governo neste sentido.
(Detalhes em:http://www.educacao.sp.gov.br/portal/projetos/compromisso-sp)

 

As pessoas devem estar preparadas para enfrentar os desafios que uma formação exige. Podemos estar criando com o sistema de cotas duas portas de entrada. O perigo disso é criar duas portas de saída.


Mas nós temos um problema hoje. Temos um ensino que formou por muito tempo uma parcela de pessoas sem qualificação adequada e que agora deseja cursar uma faculdade.


Eu tenho duas propostas. Primeiro: arrumar a Educação Básica. Cobrar reprovação e recuperação para quem precisa. Uma crença que meus colegas e eu tínhamos na escola pública. Na sala havia pessoas com muito melhores condições financeiras que eu, mas também havia pessoas que não tinham o lanche e passavam fome. Mas uma coisa todos nós sabíamos: se lutássemos iríamos conseguir ser alguém na vida. O recado é esse: se você quer melhorar, estudando chegará lá. E hoje, a escola pública não transmite mais amplamente este conceito. Não pode ser assim, não deve ser assim e não é assim. Mas o consumo diz: só vai ser bom se estudar numa escola paga, assim como as pessoas só têm valor se usarem o tênis da marca tal, uma camiseta assim etc.. Que é uma besteira imensa!


Precisamos mudar estes valores.
E, de imediato, o que tem que fazer? Esta é minha segunda proposta. Aumentar o que os alunos fazem aqui na USP, que tem um cursinho que comporta, cerca de 100 alunos. Vamos criar mais cursinhos gratuitos no Brasil. Quer estudar nas melhores escolas do Brasil? Tem um cursinho aqui gratuito para você fazer. Já teve isso no passado. Tínhamos muito analfabetismo e se criou o Mobral. Na época, o Mobral fez muita gente que não sabia ler, passar a ler. Isto gera autoconfiança e motiva as pessoas a crescerem mais.

 

Se temos hoje um sistema que entrega muitos alunos no final do Ensino Médio sem condições de prestarem vestibular, vamos fazer um cursinho para essas pessoas se capacitarem.

 

Pessoas que se formam na FEA-RP vão comandar empresas, serão responsáveis por centenas de milhares de famílias. Temos egressos em empresas como AMBEV, TAM, Vale etc. Se eles não forem bons profissionais, afetarão a vida de milhares de pessoas. A USP forma médicos, enfermeiros, engenheiros, arquitetos, biólogos, dentistas, etc. Como vamos fazer? Vamos baixar o controle de qualidade, como se fez nas etapas anteriores?

 

Eu sou francamente a favor do treinamento de pessoas. Tenho uma fé absoluta no ser humano. No Brasil temos muitas pessoas que desejam ingressar num curso superior. É só capacitar através de cursos preparatórios. Isto deve aumentar, inclusive, a nota da Fuvest. Mas simplesmente deixar do jeito que está e passar o problema para a etapa seguinte é muito cômodo e agravará a questão!

Lido 4090 vezes Última modificação em Sexta, 12 Abril 2013 17:02