Quarta, 24 Abril 2013 16:33

Debate FEA-RP do Futuro: "A tecnologia é importante, mas sozinha não resolve"

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Para encerrar o debate sobre como será a FEA-RP no futuro, nesta semana entrevistamos a professora do Departamento de Economia e presidente da Comissão de Graduação da Faculdade, Maria Lúcia Lamounier. "A tecnologia é importante, é fundamental, mas sozinha não resolve. Ter bons professores, inspiradores e estimulantes ainda é a melhor maneira de incentivar e orientar o ensino", diz ela.


Na entrevista, Maria Lúcia comenta ainda que uma boa universidade se faz com pessoas, alunos e professores presentes, com afinidades, curiosidade e também gosto pelo estudo e pela pesquisa. "A escola vazia é um desestímulo ao estudo e à reflexão. Espero que as novas tecnologias não nos levem para esse caminho."


Confira a entrevista na íntegra:


No que se refere à didática, o que você acredita que irá mudar na FEA-RP nos próximos vinte anos?
Confesso que, como historiadora, não sou muito boa para previsões. Eu acredito que a pergunta está relacionada ao impacto que novas tecnologias podem promover na área da educação. Nesse sentido, concordo com o professor Reynaldo que a tecnologia tem facilitado a comunicação e a divulgação de informações, mas ainda não provocou a revolução que se esperava no ensino e na aprendizagem. A aula presencial continua sendo o padrão e, em minha opinião, ainda vai continuar sendo por um bom tempo. Diferentemente do professor Sig, não consigo imaginar a Faculdade sem a presença de professores e alunos. Não apenas pelas dificuldades institucionais que o professor Reynaldo mencionou - um ponto bastante relevante - mas também pela importância da interação entre professores e alunos. As discussões são fundamentais tanto em disciplinas que exigem aulas práticas quanto, talvez mais ainda, em disciplinas mais teóricas. Leitura de textos acadêmicos, discussões orais e redação de textos são práticas que estão na base da formação acadêmica do professor e do pesquisador e o aperfeiçoamento delas se dá com interação. Provavelmente no futuro, grande parte das leituras será realizada por meio digital, mas as exigências de concentração, de disciplina, de reflexão permanecem inerentes ao processo. O uso de instrumentos de leitura, tais como fichamentos e resumos, pode ser substituídos ou modernizados, utilizando-se novos programas de correção e de análise de textos, mas o princípio continua o mesmo: se o aluno não souber retirar as ideias principais do texto, se não for capaz de reproduzir os argumentos ou questionar a coerência do autor, enfim, se não souber ler e interpretar textos, a tecnologia não vai ajudar muito. A orientação do professor aqui é fundamental, inclusive para atrair a atenção do aluno para o que é relevante (por exemplo, com relação a questões e bibliografia sobre um determinado tema em que o professor é especialista); para a seleção das informações e para desenvolver a capacidade crítica de análise. A tecnologia é importante, é fundamental, mas sozinha não resolve. Ter bons professores, inspiradores e estimulantes ainda é a melhor maneira de incentivar e orientar o ensino.

 

Quais os impactos que a tecnologia (EAD, capacidade de processamento, comunicação) trará ao ensino e à pesquisa?
No que diz respeito ao ensino, a contribuição das tecnologias interativas poderá ser grande. Novas tecnologias podem ajudar a tornar as aulas mais atraentes, mais estimulantes. Mas, acho que elas devem ser usadas como material de apoio. A tecnologia não é uma solução mágica; o seu uso não reduz as deficiências de formação dos professores, nem melhora o conteúdo das aulas. Como alguém já disse "uma aula ruim é ruim com ou sem tecnologia; uma boa aula será sempre boa independente da tecnologia utilizada." A qualidade da aula está nos conteúdos a serem transmitidos, na sequência e coerência lógica com que são apresentados, dentro de um planejamento da disciplina e do curso, para que faça sentido e torne possível a aquisição do conhecimento pelo aluno. A tecnologia pode e deve facilitar isto, mas, o simples uso dela não garante isto. O melhor exemplo é o uso do power point que, no início, anunciou maravilhas, e hoje já está sendo criticado. O abuso do número de slides, a monotonia da apresentação dos conteúdos, as dúvidas que levanta sobre o domínio do assunto pelo professor e a insegurança do aluno frente a isso. No que diz respeito à pesquisa as contribuições da tecnologia são inúmeras, especialmente em campos de conhecimento que utilizam técnicas e métodos quantitativos para responder às questões e/ou demonstrar hipóteses, como é o caso das áreas de pesquisa da FEA-RP. O grande avanço das ciências aplicadas está diretamente ligado ao desenvolvimento dos recursos computacionais, a partir da década de 1950. Na área de História Econômica, o uso de computadores (PCs) tem permitido o estudo de temas e questões que antes eram impensáveis, principalmente aqueles que envolvem a coleta de grandes volumes de dados e observações, e que antes exigiam a reunião de grandes equipes de pesquisadores.

 

O que você avalia que irá mudar no perfil dos cursos, alunos e docentes dos próximos vinte anos?
Acho que o processo de internacionalização da Universidade (em curso) pode contribuir para provocar grandes mudanças no perfil dos cursos, alunos e docentes. Os contatos mais frequentes de alunos, professores e funcionários com outras instituições e culturas podem promover mudanças significativas na estrutura curricular dos cursos, nas formas de ensinar e aprender e na maneira como nos relacionamos dentro do espaço interno da Faculdade. Eu espero que copiemos as boas práticas científicas (e de convivência) que existem no exterior, em termos de garantir a premiação do mérito, a competição franca e positiva, a integridade ética da pesquisa científica; e que evitemos as más práticas, a fabricação, a falsificação e o plágio. O domínio de uma língua estrangeira é essencial para acompanhar o desenvolvimento dos estudos de uma determinada área, especialmente para nós que somos tão carentes de traduções para nossa língua; para entender as diferenças para outras culturas e promover mudanças em hábitos e ações. Assim, vejo com bons olhos as políticas universitárias que apoiam a permanência de alunos e professores no exterior; nada como a distância para percebermos melhor as nossas vantagens e deficiências.

 

Em que área devem ser concentrados esforços para aproximar a FEA-RP a uma escola de primeira linha em caráter global?
Eu acho que o êxito de uma boa faculdade está em aproveitar da melhor maneira possível os recursos de que dispõe para propiciar o melhor ensino e a melhor pesquisa; e a melhor pesquisa sempre chega à comunidade (extensão). O compromisso do melhor ensino é tanto para a graduação quanto para a pós-graduação; igualmente, o compromisso com a melhor pesquisa deve envolver professores e alunos de graduação e de pós-graduação. Tenho receio, às vezes, de que as políticas atuais de avaliação de professores levem a uma preocupação e interesse maiores pelas atividades de pós-graduação e extensão e receio também de que tantas publicações nem sempre reflitam novas pesquisas. O fortalecimento da pesquisa se dá por meio do estudo, trabalho árduo, que exige imaginação, concentração e disciplina; além de diversos tipos de estímulos, políticas claras de incentivo e verbas e interação com outros pesquisadores. O fortalecimento da pesquisa pode contribuir para a melhoria da qualidade das aulas, do ensino em geral nos dois níveis e para o aumento das publicações. Penso que precisamos de mais ações que estimulem a vida acadêmica na faculdade, que abram e consolidem espaços para as vocações e talentos. Nesse quesito, é importante a valorização das atividades de docência, na graduação e na pós-graduação, e das atividades de pesquisa nas distintas áreas do corpo docente da FEA-RP. Sinto falta também de ações que valorizem a diversidade das formações dos docentes e que promovam a inter (ou trans) disciplinaridade entre as tantas disciplinas/áreas existentes na Faculdade. O ambiente acadêmico de uma boa universidade se faz com pessoas, com alunos e professores presentes, com afinidades, curiosidade, gosto pelo estudo e pela pesquisa. A escola vazia é um desestímulo ao estudo e à reflexão. Espero que as novas tecnologias não nos levem para esse caminho.

 

Foto: Dulcelene Jatobá

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Lido 4296 vezes Última modificação em Quarta, 24 Abril 2013 16:41